terça-feira, 2 de novembro de 2010

MISS DOLLOWAY EM 2004

A cada ano bissexto releio as poesias que escrevi no passado. Estou ficando mais condescendente comigo, porque até gosto e me divirto! Antigamente achava quase tudo um lixo. Pode ser que seja a idade também. Posso estar perdendo a noção do ridículo ou conquistando a tal liberdade. As duas opções me fazem menos neurótica. Amém. Para quem não leu Miss Dolloway, da Virginia Woolf, leia. Aliás, leia tudo dela. Louca de pedra, louca para se matar com pedras na correteza. Pena, não aguentou ser Virginia.



MISS DOLLOWAY EM 2004

Acordou num dia totalmente sem importância.
Um dia lindo, não?
Saiu para comprar flores e lençóis novos.
Na bolsa celulares, agenda e ansiolítico.
Na lista spray de lavanda para o quarto,
creme para o corpo, cartucho para impressora.
Liga para três clientes.
Ah...marcar pé, mão e depilação.
Entra no supermercado:
massa, tomate, vinho tinto, veja, faísca, ração.
Ao lado esta pessoa não vai atender o telefone?!
Inspira...
Calma... hoje é um dia sem importância.
Precisa de novas roupas. Quem sabe se matricular na maldita academia?
Não hoje. Hoje mandou que lavassem o edredom.
Será que consegue almoçar?
Será que liga ou deixa você ligar?
Chegar em casa
esconder o cansaço
e ficar linda!
Na portaria: três chaves na mão, mil sacolas,
um celular no ouvido e outro histérico a tocar.

Naquele dia nem no seguinte
Nada de você
e a sensação do dia em vão.
Seus olhos nada viram.
Nem flores, nem mesa. Nada.

Dolloway dorme.
Mais um dia, mais um fim de dia de trabalho e sem importância.
Unhas feitas, corpo depilado, entre quatro travesseiros e um cão.


Dolloway em 2010, recuperada de qualquer síndrome pseudo intelectual


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